XIS DO PROBLEMA
Somos animais, irmãos nos reinos, racionais ou não, somos criação de Deus.
A nós, Ele nos criou simples, e ignorantes, apesar disso, o irracional em nós,
Nos torna próximos, Senhor, e tão racionais, tão quanto os demais animais.
Albérico Silva

 

POESIA PARA AMIGOS

Escrevemos algumas páginas durante a vida, sem notarmos, falamos de nós mesmo...

Textos

FLORES PECAS
FLORESPECAS

"Faça-me o obséquio", dizia ele ao garçom. Estava sentado numa mesa identificada pelo número vinte. Fazia-lhe companhia uma morena aparentando uns 18 anos de idade. Estava bem trajada e sua beleza incomum atraía olhares curiosos. Sobre uma das cadeiras, a pasta modelo executivo denunciava que ele deveria ter saído do local de trabalho há alguns instantes. A gravata parecia incomodá-lo e vez por outra fazia menção de tirá-la, até que o fez.

Ambos falavam animadamente quando o garçom chegou com o pedido, uma garrafa de uísque. E começaram a bebericar. Ele a olhava como se estivesse extasiado diante de tanta beleza. Novos pedidos se sucederam e o garçom os atendia com todo préstimo e dedicação. A lua parecia compactuar com aquela situação e sorria. As estrelas não faziam por menos.

Passadas mais ou menos duas horas, pediram a conta. Mostravam visível alteração da personalidade - tudo indicava que as doses bebericadas sem pressa estavam fazendo efeito. Enquanto isso, na luxuosa cobertura do Edifício Brisas Verdes, bairro nobre de uma grande capital, esposa e três filhos esperavam pelo personagem da nossa história. Sua consorte tentou a todo custo se comunicar com ele, mas o celular acusava que estava desligado. Ela procurou atender as crianças e logo em seguida foram revisar os deveres da escola, para alguns minutos após recolherem-se aos seus respectivos dormitórios.

Enquanto isso, nosso personagem acabava de sair do restaurante acompanhado pela bela morena de olhos azuis que tinha agradado a ele em cheio. Ela o observava furtivamente enquanto se dirigiam para o estacionamento do estabelecimento. Já dentro do carro passaram a conversar mais animadamente. Ela notara que exercia alguma fascinação sobre ele. Chegaram até a orla marítima sugerida por ela. Admiravam a lua. Ela sugeriu que contassem as estrelas. Ele sorriu, arguindo ser isso impossível - e abraçaram-se efusivamente.

Na sua residência, a esposa, cansada de esperá-lo, adormeceu ali mesmo, sentada numa luxuosa poltrona. A música de Beethoven harmonizava ainda mais o ambiente. Enquanto isso, a moça que fazia companhia ao seu marido não poupava sorrisos e ciente da admiração, tirava proveito da situação.

Entre beijos e abraços, se dirigiram para o automóvel. Ela estava mais dengosa. Cabelos soltos emolduravam ainda mais aquele lindo rosto. Ela pediu um cigarro e ele falou que não fumava. Porém, para satisfazer os desejos daquela menina, uns 300 metros depois ele parou numa banca para que ela pudesse comprar os cigarros, pois alegava que sempre que bebia tinha esse hábito.

Em sua casa, a esposa resolvera ir esperá-lo no quarto, mas sem antes passar no quarto das crianças. Observou-as com emoção. Dali a quatro dias faria vinte anos de casada. Como só tivera seu primeiro filho depois de oito anos de matrimônio, o seu primogênito faria dali a um mês 11 aninhos. Toda aquela recordação fizera seu coração acelerar e seus olhos brilharem com mais intensidade. Apagou as lâmpadas e acendeu um abajur que trouxera da sua ultima viagem à França com a família. Ouvia a sinfonia de Bach, a preferida de seu marido.

Enquanto isso, seu esposo, após ceder aos apelos da moça que o acompanhava, permitiu que ela sintonizasse uma rádio no carro, onde só tocava funk. Ela dizia que os CDs e DVDs que ele tinha ali, não gostava - eram de música clássica. Enquanto isso, ela ensaiava alguns passos, bastante insinuantes. Hora o fazia rir, mas em outras tantas via nos olhos dele um grande interesse.

Ficaram ainda ali por um bom tempo até que, em face ao adiantado da hora, ela pediu que ele a levasse em casa, um bairro um pouco afastado. De início ele relutou, mas cedeu aos apelos bastante convincentes.

Enquanto isso, sua esposa finalmente resolveu deitar-se, mais deixou um bilhete sobre a escrivaninha, dizendo que a acordasse quando chegasse. Vinte minutos após empreender a viagem sobre juras e com a expectativa de um novo encontro para o dia seguinte, ele via seu carro cercado por duas motos, fazendo menção que ele encostasse.

Sem alternativa e temendo pela integridade física sua e da moça que o acompanhava, esboçou certa reação, mas logo desistiu ao ser intimidado por algumas armas de grosso calibre. Dois dos rapazes que estavam na carona da moto passaram para o carro, sendo que um deles assumiu a direção.

Após rodar exaustivamente pela cidade em condições desfavoráveis, indo de banco em banco para satisfazer a sanha daqueles rapazes, viu-se ridicularizado. Fizeram-no descer numa rua erma, sem a pasta, sem os sapatos, sem a carteira, e estupefato notou que a menina que até horas atrás estava com ele e que lhe proporcionara momentos de encantamento, acabara de puxar o seu tapete. Ela subira em uma das motos, tendo como acompanhante um dos rapazes que parecia ser-lhe bem íntimo. As motos partiram em grande velocidade.

Enquanto sua esposa, lá na cobertura da rua do edifício Brisas Verdes, estava sonhando com ele levando alguns tiros.

Albérico Silva
AlbéricoCarvalho
Enviado por AlbéricoCarvalho em 26/07/2012


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