AUTOMOTIZAÇÃO As agulhas de tricô bailavam naquelas mãos ágeis. Dois espetáculos dignos de registros:primeiro, a técnica apurada obedecendo, a uma organização para entrelaçar os fios dando vida aos tecidos da sua imaginação, ou copiando desenhos que ganhavam a forma desejada sob a égide da artista, formando as mais variadas e espetaculares estampas.
Segundo, como os novelos de lã aquela matéria prima, seus fios, obedeciam aos comandos das mãos da obreira,sob a imposição daquela batuta,às agulhas, entrelaçando-os, criando os pontos, criando suas malhas confeccionando asmais diversas peças, obra de arte.
O aprendizado começou quando ela tinha 08 anos de idade, sob os cuidados e orientação de sua avó materna D.Esther, excelente professora, cuidadosa mestra, todavia muito rígida, não admitia erros, isso causou muita saia justa à pequena netinha. Porém valeu apena,as reprimendas severas, as censuras, as críticas construtivas, outras um pouco horas exageradas, foram cinzeis que burilaram a jovem artista.
A disciplina era também ferramenta indispensável, a qual D.Esther, não abria mão e entre elas o horário, o tempo de estudo, a seriedade, o interesse, o envolvimento, formavam um único contexto inegociável. Poder-se-ia dizer: circunstâncias de moralidade, de organização, de zelo, capricho procurando fazer o melhor.
Assim, Geysa Dudovich, foi aprendendo e si disciplinando, se organizando. Quarta filha do casal Dudovich, em um número de 05 irmãos, três meninas com ela, fora sua a iniciativa de aprender o ofício. Ficava horas a fio junto à avó olhando a mesma trabalhar as peças, e sentia-se maravilhada, as encomendas de vários clientes tinha que passar pelo carimbo do seu olhar, fazia elogios à avó, dizendo que cada um era mais lindo do que o outro. E foi tomando gosto, foi aprendendo com os olhos, com a vontade.
Aos 17anos de idade, preparava-se para fazer vestibular para Belas Artes, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tinha aptidão artística mais que evidenciada, desenhava divinamente esbanjava outras aptidões, como o traquejo com a cerâmica, até então era autodidata, herdara essa veia artística de uma tia, irmã de sua mãe, que vivia lá para os lados de Gramados, e que a incentivava.
Quando completara dezoito anos de idade, já era exímia Tricoteira, na acepção do termo e da palavra, uma das melhores da região, valera apena os seus esforços e os de sua avó, D.Esther, trabalhava com grande desenvoltura, habilidade invejáveis e, ainda tinha o dom de criação, criava peças belíssimas que eram disputadas a peso de ouro, e da amizade.
Nessa época cortara o cordão umbilical que a mantinha presa a D.Esther, e fora fazer carreira solo, e fez com grande maestria, eas sinfonias eram ouvidasde boca em boca.
Estava cursando o primeiro semestre do curso de Belas Artes, e com a ajuda dos seus pais abriu seu próprio ateliê, coisa pouca, de início, tímida, que com o passar do tempo foi ganhando grandes proporções, pois a propaganda de boca a boca voava, e foi também a alma do seu negócio e que lhe proporcionou uma boa e fiel clientela, além do reconhecimento pelo seu trabalho, reconhecimento e respeito pela sua dedicação, o que lhe propiciava fama, prestígio,e possibilitavao retorno financeiro.
Aos 23 anos de idade, formara-se, saindo da universidade, para o mundo, com grandes méritos, com o título de bacharel em Belas Artes, para seu orgulho, o de sua família e de seu namorado, Pedro Alcântara, como se diz na gíria, moço bem apanhado, por quem ela nutria um amor incondicional e era correspondida. Eram inseparáveis, diziam-se almas gêmeas. Ele trabalhava com venda de carros importados, negócio que não era seu, era funcionário de grande empresa multinacional, um dos melhores funcionários.
Sua vida voava sob a musicalidadedo roxinós. Era feliz, e aos 25 anos de idade deu a luza Ana Dudovich Alcântara, para grande júbilo seu e de seu companheiro.Não quisera casar, para desgosto e tristeza dos seus pais, conservadores, e desespero de sua avó, que eram amantes de uma moral rígida, edificada, e burilada por uma educação exemplar, e pelas pregações do Pastor Almir de Jesus..Contudo, eram apaixonados pela netinha, e revesavam esse amor sem disputas, mas com grande atenção, com grande carinhoe zelos.
Um grande desgosto e consternação na vida de Ana Dudovich, fora a morte de sua avó, D. Esther, que vítima de uma pneumonia após alguns dias de diagnosticada e está internada em um hospital da cidade não resistiu vindo a falecer!
Isso causou grande comiseração em todos, principalmente em seus parentes mais próximos. Para Ana Dudovich, tivera um efeito devastador, grande tempestade, muito apegada à avozinha para ela era uma perda irreparável, e a tristeza a rondava insistentemente.
Conhecia assim, um período de sua vida, que se constituía em sofrimentos que em saudades, e os fragmentos da vida iam-lhe burilando a alma. São lembranças de tempos idos, e entre eles alguns que ficaram gravados remontavam da época da sua infância quando fora acolhida amorosamente pela avozinha querida, e essas imagens eram roteiros de um filme chamao lembranças.
Esse infortúnio se deu sem que todos esperassem, apesar dos 92 anos de idade, era forte, saudável,animada, engraçada, apesar da austeridade, viera uma gripe, e essa evoluíra em pouquíssimo tempo para uma pneumonia viral, que não lhe deu nenhuma chance nem tempo de cura, e abruptamente a arrebatara do seu convívio deixando a todos órfãos.
Os dias, meses, anos, foram se passando, Ana Dudovich, nunca si recuperara do grande baque, mas o espetáculo tem que continuar. E esse espetáculo que é a vida, nesse espetáculo,ela era responsável nada mais nada menos por uma filha de 03 anos de idade, a quem se apegara com um amor materno profundo e incondicional, passava para a filha as lições aprendidas com sua avó querida.
Suas atividades comerciais também a absorveram muito, e ela se dividia entre saudades pela avozinha, a criação da filha, a sua educação, que ela desempenhava com amor e com esmero. Seus negócios iam de vento e popa, exigiam dela como empresária grande acuidade e presteza, e ela a executava com sabedoria, e mão de ferro, herdada de sua avó, tomando as decisões necessárias quando exigíveis numa ótima administração. O tempo voa, e com ele vêm às mudanças, pois o progresso é alavanca que impulsiona as pessoas, as coisas, tudo de um forma em geral.
Sabemos que o progresso movimenta-se na velocidade da luz, enquanto a moral arrasta-se a passos de tartaruga, e esse progresso é necessário, contudo por mais incrível que pareça tem infelicitado muitas classes de trabalhadores, pois muitas mãos de obras começam a serem descartadas paulatinamente, e muitas irão mesmo desaparecer, ou serem substituídas por inteligências artificiais, por exemplo: lanterninhas, operadores de telégrafo, alfaiates particulares, entre outros, estão nesse rol de afasia, afasia num contexto de captação, onde os mecanismos de superação os têm puxado ladeira abaixo, em função dos avanços tecnológicos, e sendo suplantados sem nenhuma misericórdia.
Algumas profissões não serão trocadas por robôs, como, pedagogos, juízes, advogados, médicos, e outras demais..., contudo uma grande maioria esmagadora já se submete ao modernismo e ao progresso, e essas profissões já padecem sos os efeitos do avanço da automatização, e isso tem sido visto amiúde, a olho nu, em todo o mundo, pois,. o mundo é global! E a informação é pilotada por um carro de fórmula 01, pelas mãos agéis do capitalismo.
E é nesse contexto, que vamos encontrar Geysa Dudovich, a exímia, habilidosa tricoteira, de trabalhos exuberantes, ímpares, inigualáveis, de uma clientela fidelíssima, amante do trabalho e da criatividade, cujas iniciativas eram respeitadas por todos.
Ofício amado, amante estremoso, que permitia o seu sustento e da sua família, pois nessa sociedade moderna, homens e mulheres si dão as mãos e se apoiam,dividindo tarefas, criando possibilidades, fomentando as mais possíveis possibilidades de felicidade, bem estar, prazer, comunhão.
Contudo, via-se agora na contingência dedecidir que rumo daria aos seus negócios, as cartas foram postas na mesa, e ela não podia fechar os olhos, ignorar o progresso, senão ele o esmagaria sem nenhum remorso.
Geysa Dudovich, fora alcançada por esse desenvolvimento, onde máquinas em tempo recordes dão uma produção mágica impossível de serem acompanhadas, pelas mãos humanas.
Com o surgimento dos computadores modernos a inteligência artificial ganhou seus meios e massa crítica, estabelecendo notoriamente uma ciência integral, e vem se impondo seus ritmos, voando, voando com volúpia.
Porém, ela não titubeou, adequou-se à nova era, remou a favor da maré, pelo contrário, por nada deixaria de embarcar nessa onda, e embarcou tomando as devidas propoções!
Mudou o seu ateliê para um espaço maior, aliara-se às máquinas, às máquinas de última geração de fazer tricô, a todas as máquinas que dessem produção, dinheiro, lucro, e que estivessem de conformidade com seus negócios.
Que em tempo recorde, em horas, em pequenos espaços de dias, davam uma produção invejável prontam a ser comercializada, gerando lucros, e rendas.
Coisa que exigiria dela com suas agulhas meses de exaustiva e abençoada produção, renúncias, sofrimentos inigualáveis, em que pese trabalhar com amor, com afinco, com dedicação.
Alguém dissera: não se pode fazer a omelete sem quebrar os ovos. E Clarice Lispector, viu o ovo, e nele a comida. Geysa Dudovich viu as mudanças que se fazem necessária, e cuidou de que o ovo nunca se parta sem que haja roteiros de amor pela sua profissão, apostando na unicidade dos valores e das coisas, assim trocou de atelier, quando viu que o outro não favorecia, não atendia às necessidadesa do progresso, pois precisava fazer os novos omeletes com a destreza que os tempos modernos pedem, exigem.
Não se fala aqui em qualidade, fala-se em quantidade, sem querer colocar a qualidade em cheque, em segundo plano, ou sob a condição de vilã, não há aqui a intenção de subestimar,desvalorizar, ou desmerecer as produções em massa, sob os holofotes dos estereótipos, sob os crivos empíricos, mas resguardando-se diante de análises científicas, que possam de forma decisiva, serem parâmetros e sirvam como bases sólidas às suas intenções para poder falar-se com conhecimento de causa, a não escorar-se a não sustentar-se em análises frágeis, e desprovidas de embasamentos científicos.
Ana Dudovich, como fora descrito nas narrativas acima tinha seu ponto de vista corporificado nos seus estudos e na sua visão empresária, e não remou contra a maré caudalosa do progresso, não quer futuramente ter que dar a mão à palmatória, ou sentir-se culpada, de não ter pego esse transatlântico que convida a todos a fazer o cruzeiro das novas iniciativas, aliando-se ao progresso. Se assim exige os novos tempos, e ela se adequou ao mesmo, si modernizou, não ficou presa aos saudosismos, sua mente era aberta a novas propostas, novas tendências, ela as analisavam, e as colocavam em prática ou não a depender do crivo da sua razão.
Contudo, nunca aposentou as suas agulhas, principalmente as que receberam ainda menina de presente das mãos da sua mestra, sua avozinha Esther, e que eram as suas agulhas preferidas, tinha um valor de estimação insuplantável, não havia preço, havia sim apreço, e grande estima, e um dia seriam de sua filinha. São esses valores, autoestima, consideração, afeição, que dignificam a criatura humana, e fazem crescer sob todos os significados.
E, para aqueles velhos clientes, que iniciaram juntos com ela, para aqueles que ela tricotava há muito tempo com a alma, com o coração, com o sentimento e a emoção, e grande desprendimento, ela pegava as suas velhas agulhas, presenteadas por sua avozinha Esther, e ia dando a forma ao amor da sua arte, que a correspondiam, e tais peças inerente à personalidade de cada um, respeitando as suas individualidades, seus gostos.
Não tinha nada de produção em série, dos ganhos imediato reflexo dos valores monetários a qualquer preço, tinha, sim, sentimentos, e abnegação, acrisolamentos, permitindo à alma se manifestar e fazer os cortejos à solidariedade, à abnegação, às parcerias, à vida,
E, já vislumbrava feliz, o dia, o grande dia, esse marco, que auxiliando a sua filha, orientando-a, educando-a, sem o rigor excessivo de sua avó Esther, lhe ensinaria o manejo das agulhas, e a apresentaria ao mundo dos tricôs, e muito mais do que isso continuaria apresentando-a à vida, onde valores éticos e morais, não deveriam ter preço, pois o preço da vida é o apreço da solidariedade, do amor próprio, da estima, da consideração que devemos ter uns pelos outros por.nós mesmo.
Pois, a peça de tricô mais importante da nossa vida, é tricotada pelo nosso equilíbrio, pelas nossas verdades. Não podemos e nem devemos automatizar, os sentimentos, os valores, a moral. Contudo devemos repetir em série nas nossas vidas, o apoio, a proteção, o carinho, a amizade, amor, etc..., etc..., e tudo aquilo que na nossa autoestima sejam bons frutos. Albérico Silva
AlbéricoCarvalho
Enviado por AlbéricoCarvalho em 28/09/2023
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